Tempo
Sexta-feira, 12 de Outubro
Lembro-me mais do dia do que do ano. Podia ter sido há mais tempo, mas foi nesse dia. Foi nesse preciso dia que me apercebi. Nunca o tinha constatado, ou procurado, estava submerso em razão e certeza, quando no fim, era ignorância.
O meu pai foi buscar-me à escola. Recordo-o por não ser comum. E deve ter sido aí que o meu dia começou. Não na escola decerto, onde experienciara uma esgotante aula de Economia aprendendo a, acima de tudo, calcular o IRS (razão pela qual me senti tentado pela humanidade das ciências sociais, abandonando, posteriormente, este fastidioso curso).
À chegada a casa, desafiei o meu pai para uma corrida até ao jardim, lembrando os tempos passados rebolando naquela relva verde vivo que, não obstante, insistia em manchar-me a roupa de negro terra. Não sei por que o fiz. Habituado ao meu diletantismo que me fazia prometer uma vitória antes mesmo da partida, o meu pai, como sempre, proferiu um lacónico “vamos ver”. E foi com surpresa que vi dois seres correndo desalmadamente para lugar incerto. Havia em toda aquela cena uma incoerência desmedida. Qual o objectivo final? Cortar a meta? Em primeiro? O que seria reservado ao segundo? E se o objectivo era em última análise esquecer a fórmula do IRS porque não ler as “Vinhas da Ira”, ou debater o materialismo filosófico e a sua aplicação no século XXI? Mas o objectivo era diferente.
Eu venci. Nunca o tinha feito, sonhado ou imaginado. Era algo matematicamente incompreensível. Mas foi nesse momento que o percebi. A imortalidade, a invencibilidade, a omnisciência, enfim, tudo aquilo em que acreditava até então sucumbiu nesse momento. Eu via um ser perante mim. Pela primeira vez, um ser. A adulteração de toda a sua imagem fez-me desejar a derrota, o retorno ao inalcançável. Naquele momento, o meu pai tornou-se um mortal, um ser vencível, que só a sua eloquência salvava deste julgamento imediato...
Poder-se-á dizer que fiquei desiludido. Não se fugirá à realidade afirmando que fiquei triste. Afinal tinha visto a confirmação do inevitável relógio. O tempo passou. Tudo mudou. Imaginei-o trinta anos antes, a correr com o seu pai, e a vencê-lo. O que teria pensado então? O que deveria pensar eu agora? No presente, via uma corrida perdida, desta vez contra o tempo.
Olhou-me como se já conhecesse este olhar. Sorriu.
João Godinho,11o Turma7
1 comentário:
Adorei! Crescer é,de facto, aceitar que os pais podem falhar, deixam de ser os heróis invencíveis.Não se cresce sem um pouco de dor...É isto a vida, é preciso compreender e aceitar.
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