quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sobre Livros Velhos - Tentativa de Desmistificação


Livros velhos! Detesto esta expressão - ou melhor, detesto quando é usada em sentido pejorativo. As opiniões dividem-se quando se coloca a questão se na sociedade actual se lê mais ou menos do que se lia antes. Talvez alguns sectores da população leiam mais livros mas de menor qualidade do que anteriormente. Neste grupo incluem-se, é claro, os jovens. Na generalidade, até vamos lendo, mas se formos a ver o que mais se lê, descobrimos títulos de séries como O Capitão Cuecas e O Diário de um Banana no «top» de requisições das bibliotecas escolares - convenhamos que, por muito (ridiculamente) cómicos que forem estes livros, ficar-se preso nesta "etapa" da descoberta da leitura é como ficar preso à etapa dos brinquedos da primeira infância. Se isto diz alguma coisa acerca de nós, também aquele célebre frase de uma pessoa que se vê perante uma gama de livros que tem de escolher o faz: "esse livro não, que é velho..."
O primeiro caso em que se ouve dizer de um livro que é velho ocorre quando o emissor deste juízo se depara com um livro escrito há muito tempo. Imaginemos duas pessoas que vão juntas às compras e entram numa livraria. Uma delas (possivelmente mais nova) quer levar um livro qualquer e, deparada com o vasto acervo da loja, põe-se a escolher, com a outra pessoa colada ao ouvido a murmurar conselhos e a emitir críticas às possíveis escolhas. Eis senão quando, aparece-lhes à frente um exemplar...sei lá...de Guerra e Paz, de Tolstoi. A pessoa que vai à frente pega no livro, folheia-o e a outra pessoa, assim que vê o título no cabeçalho das páginas abertas, diz logo: "Ai, não leves esse, que esse é velho" e a outra pessoa, se for influenciável (como sucede demasiadas vezes hoje em dia), larga logo o livro, como se este estivesse cheio de bolor. Podia ser dito "não leves esse, que está ultrapassado", mas não, as pessoas insistem em associar àquilo que tem uma história já avançada em anos com a ideia de que nada tem para oferecer à actualidade, rotulando tudo como "obsoleto", "fora de moda", normalmente dizendo tacitamente que "é grande, chato, e eu não consegui lê-lo". Assim, e como as pessoas são, infelizmente, influenciadas sem sequer terem a noção de que o são, provavelmente, se uma mãe disser vezes suficientes a um filho que Tolstoi é "velho" e "chato", provavelmente essa ideia irá enraizar-se nele e, quando questionado, dirá categoricamente: "Tolstoi é chato". Depois perguntam-lhe "Que obras dele é que leste?"; não, não leu nenhuma, mas a mãe disse que era chato, por isso sempre o achou chato. "Então mas como é que sabes, se nunca leste?". A partir daqui, talvez uma parte destas pessoas tenha a curiosidade de ir ler Tolstoi para ver se é mesmo verdade o que a mãe dizia, mas isso pode demorar muito tempo ou nunca acontecer.
Sei disto por experiência própria. Eu cheguei tarde aos prazeres da leitura. Já andava no sexto ano quando finalmente descobri que ler é uma das melhores coisas que se pode fazer. Mas mesmo depois de começar a ler, não li logo muitos livros que depois vim a apreciar e admirar por causa desta assumpção de que as opiniões baseadas no não conhecimento do pai ou da mãe são verdades absolutas. Eu lembro-me de, por alturas de 2007, ter ido à Fnac e de um funcionário simpático me ter aconselhado a ler A Guerra dos Tronos. Comprei o livro, mas quando a minha mãe exerceu o seu poder de censura e o leu primeiro, pôs o livro na prateleira mais alta e classificou-o de "chocante, horrível...não o leias". Mais tarde, sucedeu o mesmo com O Imperador de Portugal, de Selma Lagerlof («não leias, é muito triste») e com o fantástico épico O Senhor dos Anéis (para esse, a descrição foi mesmo "é velho e chato", o que não podia ser mentira maior, pois foi talvez o livro mais belo que li até hoje). Por aqui se vê o que se perde seguindo conselhos pré-fabricados sem os pôr à prova por experiência própria. E por aqui se vê também o que se perde ao descartar das nossas leituras todos os livros que ouvimos classificar como "velhos". Não esqueçamos que, muitas vezes, são as obras mais antigas que mais têm para nos ensinar: livros como Beowulf, escrito há mais de mil anos, ou Os Lusíadas, escrito há cerca de quinhentos, passando também por outros marcos da literatura, até aos de um passado recente, como é o caso de Guerra e Paz e d' O Senhor dos Anéis, são documentos valiosíssimos, produto (aparentemente) de uma colheita esquecida. Longe vai o tempo em que os antepassados eram sempre minuciosa e respeitosamente estudados. Agora simplificamo-los. Não faz sentido.

Outro caso, talvez mais facilmente detectável, em que se aplica com demasiada altivez o termo "velho" a um livro é quando se nos depara uma edição algo antiga, possivelmente com páginas amarelas, eventualmente sublinhada e anotada. Já todos ouvimos dizer, "deita-se esse fora, que é velho, e guarda-se o que chegou novinho em folha". É pena que se tenha tão pouca estima pela história dos objectos em si mesma. Se um livro está gasto, possivelmente terá sido muito manuseado. Logo, deve conter alguma coisa de valor, algum ensinamento, alguma qualidade. Há algum tempo, veio-me parar às mãos um manual de Português do 7º ano que alguém já não queria. Tinha sido já muito usado, de tal modo que a lombada, desgastada até ao máximo, estava quase a separar-se. O meu sétimo ano já vai longe, mas guardei-o na mesma. Ora, vim mais tarde a descobrir, ao folheá-lo, que tinha uma excelente síntese dos conhecimentos elementares de gramática  mesmo no fim, com bons diagramas e tabelas que, mesmo agora, me são úteis.

É, portanto, engraçado constatar que o adjectivo "velho", quando aplicado a um livro, é totalmente descabido. Por mim, prefiro usar, em qualquer um destes casos, o adjectivo "venerável", muito mais adequado.

Tomás Vicente nº21, 12º9ª

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