terça-feira, 10 de março de 2009

Ilustrar Pessoa


Fernando Pessoa – A Aranha

A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.


O poeta expõe, em onze curtos versos, a temática da dor de pensar. Compara-a a uma teia de aranha que surge em espaços sem uso.
Por constantemente intelectualizar as emoções, transformando-as em pensamentos, abstrai-se da verdadeira realidade, a realidade presente daqueles que vivem simplesmente, sem se questionarem acerca do destino que vai sendo construído. Ao fazer isto, “A aranha do seu destino” tem espaço e tempo para criar teias no seu destino: este torna-se não um destino com o qual se sonhe, mas um destino inevitável: o de viver o passado.
O seu presente torna-se em passado: as oportunidades surgem-lhe na vida, mas ao racionalizá-las, perde-as. Assim, essas ocasiões que surgem não são mais que fragmentos passados, já que perde tempo a pensá-las.
Nem mesmo quando era criança aproveitou a inocência e a felicidade da inconsciência, era “adulto sem o achar”.
Assim o explica no verso “É que a teia, de espalhada/ Apanhou-me o querer ir”. Consequentemente, perde o seu rumo, a sua corrente de vida. Tomba, tal mosca presa na teia de uma aranha. A sua vida baloiça “Na consciência de existir”. A sua consciência é, então, um emaranhado de pensamentos do qual não consegue sair. Por isso, a sua realidade perde-se em caminhos e destinos; já não sabe quem é, nem sequer “soube o que era em menino”, quanto mais que teia escolher...
Finalmente, o sujeito poético não pode fazer mais nada senão resignar-se à sua consciência, sendo “presa no seu suporte”, “na consciência de existir”.

Como base de comparação com o poema, escolhi a seguinte obra de Salvador Dali, intitulada “Nascimento do Homem Novo”.
Após uma observação cuidada, detectei que estão presentes, na imagem, três planos.
No primeiro plano encontra-se o plano de relevo do “ovo”: os continentes e as saliências na superfície provocada pelos pés e pelo joelho. Aqui, formas de continentes e saliências do corpo humano conferem um dinamismo irregular à forma oval. Os continentes surgem como o rosto da superfície oval, são a sua aparência. Uma gota de sangue surge entre a grandiosa fenda existente na superfície. Com isto, a esfera encontra-se amolgada, como que definida pela vida; os seus continentes e as saliências são marcas de vida, tal como as rugas o são nas pessoas.
O segundo plano surge como a personalidade do “ovo”; brota pela fenda a figura de um homem, nascendo gradualmente, incompleto. Percebemos que existe algo mais dentro da esfera, algo desconhecido.
Podemos também observar um terceiro plano: o fundo. Aqui, os dois tons contrastam com a figura do ovo e do homem, realçando a importância do nascimento do ser.
Finalmente, ao comparar a temática presente na imagem com a temática do poema, constato que o poeta, tal como o homem, ao querer o Mundo (os continentes) acaba por ficar preso nessa ambição; quanto mais quer, mais esconde a sua verdadeira realidade, torna-se incompleto. A sua luta apenas cria fendas na sua consciência, tal como é visível na imagem: as únicas coisas que acontecem quando o homem luta por sair do ovo são as saliências do seu corpo na forma oval.
O sujeito poético pensa e intelectualiza tanto que acaba por sofrer, o que é mostrado pela gota de sangue. Com isto, por perder as oportunidades ao transformar as emoções em pensamentos, cria “teias” na sua consciência, de tal forma que esta se torna o Mundo abstracto da realidade das sensações (os continentes).
A sua vontade de ser consciente e ao mesmo tempo escolher as teias da vida deixa-o sem energias, com a sua “vida baloiçada/ Na consciência de existir”. A aranha anseia pela sua gota de sangue, ou seja, a sua perturbação e consciência fá-lo sangrar cada vez mais, já que ter consciência de que se é consciente é pensar na consciência; é ter dor de pensar.

Catarina Capelo
12º9ª

Sem comentários: