“À Conversa com… Alberto Caeiro”
(Peça escrita e interpretada por Maria Teixeira e Andreia Alexandre – 12.º 4.ª)
Manhã de 9 de Outubro de 1914. Terreiro do Paço, Lisboa.
Ofélia da Gama Côrte-real, esposa de Antero Vasconcelos Côrte-Real, conde de Montreal passeia com os seus filhos, na companhia da sua aia.
Filha de fazendeiros de bom-nome, desde sempre ligada ao campo, cita poesia de um tal Alberto Caeiro…
Ofélia (passeando até que encontra um banco de jardim onde se senta): «Saúdo-os e desejo-lhes Sol, / E chuva, quando a chuva é precisa. / E que em suas casas tenham/ Ao pé de uma janela aberta/ Uma cadeira predilecta / (Caeiro aproxima-se e evoca ao mesmo tempo) Onde se sentem lendo os meus versos».
Também se interessa por poesia bucólica…
Alberto Caeiro: «Saúdo todos os que me lerem, / Tirando-lhes o chapéu largo» (cumprimenta Ofélia, tirando o chapéu)
Ofélia (bruscamente, abanando o leque): Não me parece adequado uma senhora e um cavalheiro serem vistos juntos assim sozinhos, num jardim… Sabe, incentiva a má língua… (num sorriso atrapalhado, cumprimenta uma senhora que passa por si)
(de repente, apercebe-se de que falava com Alberto Caeiro)
Perdão? O senhor é….
Alberto Caeiro: Alberto Caeiro, moça!
(Ofélia estende a mão, mas Caeiro não compreende tal gesto e observa apenas a mão estendida)
Ofélia: Encantada…!
Alberto Caeiro: Então….a moça gosta de poesia?
Ofélia: Bom, penso que…
(Caeiro, interrompe imediatamente)
Alberto Caeiro: «Pensar incomoda como andar à chuva/ Quando o vento cresce e parece que chove mais»!
Ofélia: Sim, aprecio bastante! Sabe, ultimamente tenho lido muito os seus versos. Já fazem parte do meu quotidiano….
(Pausa. Ofélia, olhando para Caeiro de alto a baixo, pergunta num tom de voz irónico:)
Mas diga-me uma coisa… O senhor é mesmo um…guardador de rebanhos?
Alberto Caeiro: «Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse / Minha alma é como um pastor»!
Ofélia: Sabe que andam para aí rumores…? Dizem que o senhor escreveu os seus quarenta e novepoemas num único dia, veja lá! (ri-se num tom alto) Como se isso fosse possível!
Alberto Caeiro: Foi num dia de inspiração
Ofélia: Não posso crer… Então é mesmo verdade o que dizem!
Vejo quão ligado está ao campo, à paisagem, às sensações. Enfim, a toda a natureza, sua poesia
Alberto Caeiro (bruscamente): «A Natureza é partes sem um todo»! Há-de um dia destes correr pelos campos até ficar sem fôlego e ouvir o chilrear dos pássaros e sentir o vento e o calor do Sol e ver o outeiro lá ao longe, muito pequeno, como uma borboleta quando entra pela janela.
Ofélia: Tão bonito!... O senhor fala como escreve, sente o que diz! Deixa-se levar ao sabor do vento, do sol, das árvores, dos pássaros… Não se preocupa com horas, com tempo, com pensamentos. Vive!
Mas diga-me uma coisa… O senhor, como poeta que é, presente apenas nas folhas de alguns…que ambições tem?
Alberto Caeiro: «Não tenho ambições nem desejos, / Ser poeta não é ambição minha / É a minha maneira de estar sozinho». «Escrevo versos num papel que está no meu pensamento / sinto o cajado nas mãos (bate com o cajado no chão) / e vejo um recorte de mim». Escrevo o que sinto e vejo e não aquilo que penso!
Ofélia: «Pensar incomoda como andar à chuva» …
Alberto Caeiro: E torna-nos pobres, porque a nossa única riqueza é ver, é olhar, é reparar…
Ofélia: O senhor sempre viveu no campo, não é verdade?
Alberto Caeiro: Sim, mas sou cá de Lisboa. Sabe, a cidade tira-nos o sol, o horizonte, a paisagem, a beleza… «As casas fecham a vista à chave e tornam-nos pequenos, porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar.»
Ofélia: Sim…A vida na cidade é tão diferente da vida no campo…E eu sinto-me presa aqui…Étudo tão diferente de mim! (tira um lenço da mala para limpar as lágrimas)
Alberto Caeiro: «Tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe»!
Ofélia: É verdade…Por isso é que me identifico com os seus poemas, consigo! «Para quê pensar com a cabeça? Pensemos com os olhos, com os ouvidos, com as mãos, com os pés, com o nariz e com a boca»!
Alberto Caeiro: Sabe uma coisa, moça? Quando me sinto triste, «deito-me ao comprido na erva e fecho os olhos. Sinto todo o meu corpo deitado na realidade. Sei a verdade e sou feliz» … (despede-se com um toque no chapéu)
(Ofélia senta-se novamente no banco e continua a ler, quando de repente se lembra…)
Ofélia: Meninos venham! Já está na hora!
(Alberto Caeiro, olhando para trás, pergunta-se)
Alberto Caeiro: Hora! O que é a hora na realidade?
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